A Polícia Federal desvendou um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo associações de aposentados e uma funerária no Ceará. A fraude consistia em simular mortes de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para justificar transferências milionárias oriundas de descontos indevidos nos pagamentos previdenciários.
As investigações apontam que a empresa Global Planos Funerários recebeu quase R$ 35 milhões da Caixa de Assistência aos Aposentados e Pensionistas (Caap) e mais de R$ 2 milhões da Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional (Aapen). Ambas as entidades estão no centro da operação da PF e tiveram suas sedes vasculhadas por ordem da Justiça Federal, que também determinou o bloqueio de cerca de R$ 150 milhões da Caap e da Global, além de R$ 200 milhões da Aapen.
Simulação de enterros e movimentação atípica de recursos
Entre 2022 e 2024, os repasses feitos à Global indicariam a realização de quase 9 mil funerais, o equivalente a cerca de 19 mortes por dia. O dado, considerado incompatível com a realidade, não refletia alterações no número de contribuintes ativos no sistema do INSS. As entidades continuaram recebendo os descontos normalmente, sem qualquer impacto pela suposta “mortalidade” dos associados.
As transferências para a funerária começaram em novembro de 2022, dois meses após a Caap firmar convênio com o INSS para autorizar os descontos diretos. A Global pertence a José Lins Neto, ex-presidente da Caap e vinculado à Aapen. Apesar dos valores recebidos, nenhuma das associações oferecia plano funerário aos seus integrantes.
Rota de lavagem envolvia clínica de saúde
A PF identificou que a Global repassou R$ 12 milhões para a Clínica e Laboratório Máxima Saúde Ltda, cuja sociedade inclui o genro de Maria Luzimar Rocha Lopes, tesoureira da Aapen. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou que Maria recebeu R$ 700 mil em transações suspeitas.
Para os investigadores, o elo entre funerária, clínica e associações foi usado como meio para disfarçar a origem ilícita dos recursos. A participação da clínica, que não presta serviços funerários, reforça a tese de lavagem de dinheiro.
Descontos sem autorização e enriquecimento ilícito
Em 2024, a Caap registrava 265 mil beneficiários com descontos diretos no INSS, enquanto a Aapen contabilizava mais de 380 mil. Segundo os dados oficiais, todos os beneficiários teriam autorizado os descontos em 2023 — algo não registrado em 2022.
De acordo com a Controladoria-Geral da União (CGU), desde 2019 a Aapen arrecadou mais de R$ 80 milhões por meio dos descontos, e a Caap, quase R$ 50 milhões. Ambas as entidades foram lideradas por Cecília Rodrigues Mota, suspeita de enriquecimento ilícito e uso de propinas com recursos desviados.
Uma auditoria da CGU entrevistou amostras de beneficiários das duas entidades: entre os 210 entrevistados da Aapen, nenhum confirmou ter autorizado desconto. Na Caap, apenas um dos 215 beneficiários consultados reconheceu ter autorizado a cobrança.
A Global Planos Funerários teve o CNPJ encerrado em 1º de abril de 2025. No dia 23 do mesmo mês, foi alvo de operação da Polícia Federal.