O destino das terras indígenas no Brasil pode ser definido nesta quarta-feira (20) por duas frentes distintas: o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. Ambos devem retomar a discussão sobre o marco temporal, uma tese jurídica que limita a demarcação de territórios tradicionais dos povos originários.
O marco temporal estabelece que os indígenas só teriam direito à demarcação das terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estivessem em disputa judicial nessa época. A tese é defendida por ruralistas, que alegam que a Constituição não reconheceu um direito originário dos indígenas, mas criou um novo direito a partir de 1988.
Os indígenas, por sua vez, argumentam que o marco temporal é inconstitucional e viola os direitos humanos, pois ignora as violências históricas sofridas pelos povos originários, que foram expulsos, massacrados e confinados em reservas ao longo dos séculos. Eles afirmam que a Constituição garantiu o direito originário dos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam, independentemente da data.
O julgamento do STF
O STF iniciou o julgamento do marco temporal em agosto, mas interrompeu a sessão após quatro ministros votarem contra a tese e dois a favor. O caso analisado é o da Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, do povo Xokleng, em Santa Catarina, mas o resultado terá repercussão geral, ou seja, valerá para todas as demarcações do país.
Os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Carmen Lúcia votaram pela inconstitucionalidade do marco temporal e pela demarcação da TI Ibirama-Laklãnõ. Eles entenderam que os indígenas têm direito às terras que ocupavam na data da promulgação do Império, em 1824, ou na data da independência do Brasil, em 1822.
Os ministros Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso votaram pela constitucionalidade do marco temporal e pela anulação da demarcação da TI Ibirama-Laklãnõ. Eles consideraram que os indígenas devem comprovar a ocupação ou a disputa das terras em 1988 para terem direito à demarcação.
Ainda faltam votar os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Nunes Marques. A expectativa é que o julgamento seja retomado na quarta-feira (20), mas não há garantia de que seja concluído na mesma sessão.
O projeto de lei do Congresso
Enquanto o STF julga o marco temporal, o Congresso Nacional também avança sobre o tema. Em agosto, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que institui o marco temporal como critério para demarcação de terras indígenas. O texto também prevê outras medidas polêmicas, como a permissão para atividades econômicas nas terras indígenas, como mineração, agropecuária e turismo.
O projeto foi encaminhado ao Senado Federal, onde tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator da proposta, senador Marcos Rogério (PL-RO), apresentou um parecer favorável ao texto na semana passada. Ele quer pautar a votação do relatório na quarta-feira (20), no mesmo dia em que o STF retomará o julgamento.
O governo de Mato Grosso já pediu formalmente ao STF que os ministros esperem uma definição dos congressistas sobre o marco temporal para, só depois, julgar o assunto. O argumento é que o Legislativo é o poder competente para legislar sobre a matéria e que uma decisão do Supremo poderia gerar insegurança jurídica e conflitos sociais.
A mobilização dos indígenas
Diante da ameaça do marco temporal, os indígenas têm se mobilizado em todo o país para defender seus direitos e pressionar o STF e o Congresso. Em agosto, cerca de 6 mil indígenas de mais de 170 povos participaram do acampamento Luta pela Vida, em Brasília, onde realizaram protestos, marchas e audiências públicas.
Os indígenas também têm recebido apoio de diversas entidades da sociedade civil, como organizações não governamentais, movimentos sociais, artistas, intelectuais, religiosos e juristas. Eles denunciam que o marco temporal é uma tentativa de legalizar o esbulho das terras indígenas e de inviabilizar a demarcação de novos territórios.
Os indígenas defendem que a demarcação das terras é essencial para a preservação da sua cultura, da sua identidade e da sua vida. Eles também argumentam que as terras indígenas são importantes para a conservação da biodiversidade, para o equilíbrio climático e para o bem-estar de toda a sociedade.