A aprovação do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, permitiu o retorno de Sônia Maria de Jesus para a casa do desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Jorge Luiz de Borba e sua esposa, Ana Gayotto de Borba, são acusados de manter Sônia em condições de escravidão doméstica por quase 40 anos.
Em um surpreendente desenrolar de eventos, a mulher que foi resgatada por um grupo especial de fiscalização do poder público federal em junho, retornou à residência onde foi alegadamente mantida como escrava doméstica. Sônia, que é negra e surda, estava em um abrigo desde sua até então considerada libertação.
Apesar das alegações, o casal contestou veementemente as acusações, insistindo que Sônia tinha sido criada como uma filha e não uma empregada doméstica. Eles pediram que ela fosse devolvida para seu convívio familiar, solicitação que se concretizou na última quarta-feira.
Durante a visita ao abrigo onde Sônia estava instalada, o casal Borba conseguiu convencê-la a voltar para casa, e ela retornou com eles, segundo mensagens que circulam entre amigos de Borba no WhatsApp.
Sônia tem deficiência auditiva, mas nunca lhe foi ensinada a Língua Brasileira de Sinais (Libras), dificultando a comunicação além de gestos. De acordo com informações da fiscalização, ela fazia refeições com as demais empregadas, realizava tarefas domésticas sem o registro adequado, não recebia salário e não tinha acesso a atendimento de saúde.
Esse caso complexo e controverso levanta questões sobre a longevidade e intensidade dos vínculos entre empregados domésticos e seus empregadores nos casos de trabalho prolongado e condições exploratórias.
Segundo o defensor público William Charley, a “vontade clara e inequívoca” de Sônia de retornar com os Borba pode ser resultado da chamada “síndrome de Estocolmo” – uma reação psicológica onde a vítima desenvolve uma lealdade ou sentimentos positivos para com seus captores. Três auditores fiscais que trabalharam em casos de resgate de empregados em condições análogas mencionaram que é comum empregadas domésticas manterem forte relação afetiva com os patrões, considerando a casa deles como sua única realidade durante muitos anos.
Após a repercussão do caso, o desembargador e sua família divulgaram uma nota à imprensa afirmando que iriam solicitar a filiação afetiva de Sônia, garantindo seus direitos de herança. Eles reforçaram a negação das acusações de trabalho escravo e afirmaram que estão colaborando com as autoridades.
O caso seguirá em segredo de Justiça, com a Defensoria Pública da União planejando recorrer da negação de habeas corpus do ministro Mendonça.
A polêmica por trás deste caso levanta questões sobre relações de trabalho doméstico, exploração, a dinâmica entre patrões e empregados. Além disso, traz à tona a importante discussão de como essas situações podem dificultar a capacidade de vítimas de se reconhecerem como tal, devido aos complexos laços emocionais que são muitas vezes formados em situações de abuso.