Em meio a um cenário de violações dos direitos humanos de uma seção já marginalizada da sociedade, a população em situação de rua, vem à tona a necessidade de uma legislação mais específica e abrangente. Charlene da Silva Borges, Defensora Pública Federal, comenta sobre a importância do Supremo Tribunal Federal (STF) em preencher a lacuna legal que tanto tem prejudicado tais pessoas.
Segundo Borges, a ausência de leis específicas para lidar com esta população tem contribuído para comportamentos discriminatórios e cruéis. Ela refere-se especificamente à prática conhecida como “higienização”, que resulta na remoção forçada desses indivíduos. Borges observa que, sem as restrições tudo isso se torna mais fácil, atraindo a desumanização e descaso para com essa população.
Aproveitando a oportunidade, Borges detalha a determinação do ministro do STF, Alexandre de Moraes, que chamou a atenção por solicitar ao governo federal um plano de ação e monitoramento para a implementação de uma Política Nacional para a População em Situação de Rua, em até 120 dias. Moraes também proibiu o recolhimento forçado de bens desse grupo, além da remoção compulsória, destacando a necessidade de garantir a segurança dessas pessoas em abrigos, inclusive com apoio a seus animais de estimação.
Mudanças positivas, certo? Não exatamente. Borges argumenta que a Política Nacional para a População em Situação de Rua, um decreto instituído em 2009, é anacrônica e ineficaz. O problema, segundo ela, é a fragmentação no que diz respeito aos benefícios sociais oferecidos pelos municípios do Brasil. Alguns oferecem auxílio aluguel, outro não. Isso, sem falar na falta de abrigos, redes de fomento educacional e oportunidades de emprego. Para que a dignidade básica seja restaurada a essa população, Borges argumenta que todas essas questões, e muito mais, precisam ser seriamente consideradas e resolvidas.
A dura realidade é que apenas cinco estados e 15 municípios brasileiros aderiram à norma antes mencionada, que visa a proteger a saúde e a vida das pessoas em situação de rua. Nem mesmo sabemos quantas são essas pessoas em situação de rua. A aplicação de políticas públicas requer dados confiáveis e atualizados, que não possuímos até o momento. Estudos como o do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) são úteis, mas não conseguem alcançar toda a profundidade do problema devido à sua abordagem limitada.
Em suma, a negligência coletiva resultou em uma invisibilidade forçada da população em situação de rua. Borges acredita que essa atitude é um reflexo da nossa cultura, que por sua vez influencia como as instituições e os poderes abordam o problema. O processo de desumanização é tanto um sintoma de uma sociedade doente quanto uma doença em si.
Conclusão? Precisamos de um sistema mais abrangente e centrado na pessoa para lidar com a questão. A partir da ação movida pelos partidos PSOL e Rede, e pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), o STF decidiu que todos os estados e municípios devem implementar medidas para assegurar a segurança dos bens e das pessoas em situação de rua, proibindo explicitamente a remoção forçada e o transporte compulsório desta população.
Além disso, de acordo com essa decisão, os municípios devem realizar mutirões da cidadania para a regularização de documentação, inscrição em cadastros governamentais e inclusão em políticas públicas existentes. Adicionalmente, deve-se criar um programa de enfrentamento e prevenção à violência que atinge essas pessoas. Os órgãos de zeladoria urbana das cidades deverão divulgar previamente o dia, horário e local das ações de limpeza para evitar qualquer tipo de conflito.
Em sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes destaca a necessidade urgente de enfrentar a aporofobia, um preconceito prejudicial que pode ser concretizado em “atos estatais” prejudiciais. Independentemente do futuro, está claro que, para proteger e servir verdadeiramente a todos os cidadãos, até mesmo os mais vulneráveis, é necessária uma mudança radical.